Um texto livremente inspirado em: Why Little League Matters.
A notícia da semana, quiçá do mês, era a aposentadoria do professor de Educação Física. Já estava velhinho, e suas aulas de ordem unida (esquerda, direita, esquerda) já não empolgavam ninguém. Reuniu os alunos e se despediu, ganhou de presente da escola um relógio bacana, o apito e o cronômetro que usou por tantos anos.Dizem as más línguas que levou uma medicine ball escondida debaixo da camiseta, mas deve ser maldade do pessoal.
O novo professor chegou, se apresentou, e já foi brincando com a molecada, todos na faixa de 11, 12 anos. Era jovem, recém-formado, cheio de energia e adorava crianças. Já foi jogando as bolas de futsal no meio da quadra, espalhando os cones. Ganhou a confiança deles de vez quando soltou um "Meninas são muito chatas" no meio de uma das aulas.
Empolgou-se com os meninos, pediu e conseguiu com a diretoria um horário após as aulas para treinar os meninos, montaria um time. Obviamente, não receberia nada a mais por isso.
Começaram a treinar, duas vezes por semana. A criançada foi melhorando, ele realmente gostava da turma. Marcaram um amistosos, foram ganhando mais que perdendo. Os treinos passaram a ser acompanhados agora por alguns pais, engravatados, que davam uma escapadinha do trabalho pra ver os filhos jogarem. Em todos os jogos, todos os treinos, o novo tio da Educação Física reunia a molecada em um círculo no meio da quadra, dava algumas orientações, e finalizava com "Divirtam-se!".
Na surdina, sem contar para ninguém, a não ser para os pais e donos da escola, inscreveu os meninos no campeonato municipal. Pediu que todos mantivessem segredo, e num treino desses chegou com um jogo de camisas novinho em folha, o nome de cada um nas costas, foi distribuindo e finalmente contou as novas. Foi uma festa só.
O campeonato teria cobertura de uma rádio FM ... a cobertura era um locutor falando os resultados no meio do programa de esportes, mas os meninos já se imaginavam aparecendo na televisão, talvez uma aparição no Sportscenter da ESPN, com o Paulo Calçade e o Amigão fazendo comentários elogiosos sobre aquele time de meninos baixinhos e franzinos, mas extremamente habilidosos.
O dia do primeiro jogo teve tudo a que tinham direito. Ônibus buscando na escola, colegas indo na torcida. Pais, só se fossem com seus carros... Bagunça no ônibus, cantorias totalmente fora de ritmo, mas cheias de alegria.
No vestiário, antes do começo da peleja, chegou o professor, com uma prancheta chique no formato de uma quadra de futsal. Acharam que receberiam várias orientações táticas e técnicas, estratégias mirabolantes, um verdadeiro nó tático. O tio juntou todos num círculo, abraçaram-se.... ele sorriu, e disse "Divirtam-se!".
Como jogaram bem, verdadeiros guerreiros. Mas perderam, daquele jeito doído, no finzinho... Muitos choraram, esperavam alguma palavra de conforto do professor. Não falou nada do tipo que sempre se fala, que foi apenas um jogo. Falou que entendia a tristeza de todos, entendia a importância para eles daquele simples jogo, e que era normal eles estarem tristes, até ele estava, nem sabia se ia conseguir dormir. Na curta vida daquelas crianças, aquele bem que podia ter sido o pior dia...
Mas disse também que eram ótimos garotos, e eventualmente ganhariam, pois eram talentosos e amavam o que faziam. E quando se ama algo, quando não dá certo a gente sente mesmo. O jeito era treinar... No ônibus de volta à escola, não teve bullying. Teve os amiguinhos dando uma força, empolgados até. E pais sorridentes.
Imaginou que o próximo treino estaria vazio, todos cabisbaixos. Chegou de leve, meio escondido, pra ver a molecada de longe. E qual não foi a sua surpresa quando viu a quadra lotada, meia hora antes do começo do treino. Todos querendo treinar mais, não havia tempo a perder.
Outro campeonato veio. Venceram na estréia, a comemoração teve pizzada, refrigerante à vontade para os pequenos, cervejinha para os pais, afinal ninguém é de ferro. Aquela noite, não teve hora de ir pra cama.
Foram ganhando, foram campeões regionais. Todos pegaram suas medalhas e penduraram no pescoço do tio da Educação Física, que ganhava mal mas nunca havia sido tão feliz. Classificaram-se pra fase municipal, mas nessa não foram muito longe.
Cresceram, cada um foi para seu lado... o professor ficou por mais uns bons anos por lá, treinando a criançada, até que saiu e foi cuidar da empresa de importação e exportação da família.
Todos até hoje lembram-se daqueles dias, e finalmente entendem que , para eles, a tal fase regional era o máximo que podiam chegar. E nesse quesito, foram verdadeiros campeões da Copa do Mundo. Ainda reúnem-se para um futebol society vez ou outra. Em todas, antes do início, o professor comanda:
- Divirtam-se !
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