Acordou às 6 da manhã, como era de costume. Não é fácil ter 15 anos e ir pra escola todos os dias pensou. Pensamento que logo foi substituído por um misto de empolgação e desespero puro. Tinha resolvido, desde o dia anterior, que hoje seria o dia. Finalmente, tomaria coragem e, tal qual Charlie Brown, falaria com a garotinha ruiva, convidaria ela pra sair.
Trocou de roupa bolando estratégias, escolhendo o melhor momento e forma de abordagem, pensou no que poderiam fazer juntos. Derramou o suco na camiseta, escutou os resmungos de sua mãe, algo sobre ele estar sempre no mundo da Lua. Nem se importou, tinha coisas mais importantes para matutar.
Chegou atrasado na escola, correndo. Aula de redação, seu melhor amigo e vizinho de carteira pergunta se estava preparado para ir ler seu texto lá na frente, se a professora chamasse. Algo sobre o expressionismo versus o pretenso movimento dadaísta. Entrou em pânico, a chamada seria nos últimos cinco minutos de aula, e ele não só não tinha escrito nada, como queria mesmo que todos os dadaístas explodissem.
Conforme os minutos passavam, ficou branco, enjoado, com dor de barriga. Por sorte não foi chamado, mas sentiu uma olhada de canto de olhos da mestra, uma japa rigorosa e com fama de carrasca. Jurou para si mesmo que, nos pensamentos da professora, ele seria a próxima vítima.
O intervalo veio, e com ele a primeira chance de fazer o convite. Tomou uma Grapete e se encheu de coragem, que logo acabou quando no caminho para falar com a musa tropeçou, e quase caiu no meio de pátio na frente de todos. Maldisse o próprio corpo adolescente, que cismou em crescer rápido sem mandar junto um manual de instruções.
Veio a segunda aula, e o segundo intervalo. Sua garotinha ruiva estava sozinha, ele chegou perto e soltou um "Oi"... Oi que saiu desafinado, naquela voz que está mudando, meio grossa, meio fina. Ela deu risada, acabando com todo clima de romance. Ainda mais quando, logo em seguida, chegaram as amigas comentando como era gato o vocalista da banda da escola. Vociferou contra a própria voz, que nunca o permitiria ser vocalista de nada. E lamentou ter faltado em todas aquelas aulas de violão. Saiu de perto, ainda tinha muito tempo pela frente, resolveu que uma saída estratégica seria a melhor alternativa.
Veio a parte da tarde, depois de um almoço no refeitório fugindo de uns grandalhões do 3o. colegial, que adoravam chamá-lo de orelhudo, Dumbo e coisas afins. Era dia de jogo do campeonato interno de futebol, e modéstia parte até que ele mandava bem. Ela iria assistir, então definitivamente seria o jogo da vida dele.
E até que foi bem, o time da classe ganhou. Não fosse uma furada que ele deu, chutando o vento e se estatelando no chão, teria sido perfeito. Ficou mais uma vez angustiado, será que ela teria visto? Mal sabia ele que a mocinha nem estava prestando atenção, de tão ocupada que estava tirando selfies e postando nas redes sociais.
Final da peleja, banho tomado. Na rua, avistou a garota sozinha, provavelmente esperando alguém vir buscá-la. Era agora ou nunca:
- Oi, tudo bem? (agora sem desafinar)
- Tudo, e você? Parabéns pelo jogo...
- Imagine, nem fomos tão bem assim (com aquela expressão forçada de quem sabe o que faz)...
- Que nada, vocês foram ótimos.
- Então, eu estava aqui pensando... qualquer dia desses podíamos combinar de fazer algo, um cinema. Está passando um filme ótimo sobre alienígenas enfrentando humanos num ringue de boxe, com o Will Smith e o Stallone.
- Ah, legal. Vamos sim, adoro conversar com você, Combinamos com bastante gente e vamos, inclusive tenho um amigo que também quer ver esse filme, podemos ir todos juntos. Xi, meu pai chegou, tchau ...
Ao colocar a cabeça no travesseiro de noite, teve raiva de si próprio. Tanto sofrimento pra isso? Levar um amigo? Ainda se fosse uma amiga ... E amaldiçoou a tal friend zone.
E sofreu. Sofreu exatamente por uns dois dias ... Que foi quando ele notou que uma loirinha da sala estava olhando pra ele. Com certeza, seria o início de algo bonito. Se ao menos ele tivesse coragem de falar com ela...
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