Pular para o conteúdo principal

Devia ter ido antes pra Constantinopla


Eu sempre quis ir pra Constantinopla, todo ano ficava fazendo planos, olhando os preços das passagens aéreas, hotel, o que fazer e onde comer. Mas invariavelmente adiava, alegava falta de dinheiro, culpava a previsão do tempo. Constantinopla não existe mais, foi tomada pelos turcos, malditos turcos, e agora virou Istambul. Perdi a chance, não tenho a menor vontade de fazer turismo em Istambul.
Eu conheci Adolf certa vez, em um boteco escondido numa viela em Berlim. Ele estava lá com sua farda, parecia bravo. Começamos a conversar, e sob efeito do álcool, ameaçou destruir a Europa toda, o mundo talvez, só porque tinha levado um fora de uma bela francesa, ou seria francês, não lembro mais. Que petulância, dizia ele enquanto ajeitava os fios de um ridículo bigodinho que começava a nascer. Não levei a sério aquele austríaco de uma metro e pouquinho, mas acho que consegui acalmá-lo. Ele me ligou algumas vezes, queria dar uma volta, tentar uma aproximação com umas russas, dizem que são muito bonitas, mas não retornei nenhum dos recados. Teria poupado muitas páginas dos livros de História.
Fui apresentado a Eva em um dia de sol, num belo bosque que parecia, vejam só , o Paraíso. Eu lá, nu,  mas milagrosamente sem uma picada de mosquito sequer, sem uma queimadura de sol, exalando um perfume de flores do campo, e vem ela, cabelos esvoaçantes, levemente ruivos e ondulados, como que saídos de um comercial de shampoo, que nem existiam ainda. 
Eva era muito agradável e bela, era só pra ser uma companhia no começo, pra ajudar nos afazeres domésticos, regar os girassóis, coisa e tal... Mas eu fiquei lá, insistindo. vamos comer a maçã, que mal há.... Acabamos sendo expulsos, fomos morar na periferia, duas conduções pra ir, duas pra voltar. E a humanidade teve que lidar com nosso presente eterno: o sentimento de culpa.
Comecei a escrever um conto uma vez, uma ideia idiota que tive, em um dia meio sombrio. Todos temos uns desses não ? Sempre desconfiei de quem sempre estivesse feliz. Enfim, seria sobre um corvo assombrando o portal de uma casa, onde um viúvo solitário lamentava a perda da amada. Fiquei com preguiça de continuar, não ia dar em nada mesmo, mas contei pro meu amigão Edgar, que primeiro teimou que eu devia acabar, transformar em poema,  seria bem bacana. Não fiquei muito a fins, continue você mesmo se quiser, aproveite e coloque o nome de sua esposa, Lenore, em um dos versos, faça uma homenagem, disse eu. Never more.
De férias no Rio de Janeiro, fui convidado pra um jantar só com gente bacana, políticos do alto escalão, cheios de grana por conta da recuperação global da economia, e da promessa do pré-sal. Presidentes, governadores, ministros.... comemos e bebemos do melhor, perguntei se iríamos rachar a conta, um o cara com nome de descobridor do Brasil gargalhou e riu junto com o barbudo. Sacaram o  cartão corporativo, passaram no crédito, e ainda pediram a nota pra comprovar as despesas. Fiquei injuriado com o deboche, e resolvi contar todo o papo que havia escutado pra um juiz lá de Curitiba. O pessoal acabou se dando mal, devem ter raiva de mim até hoje. Pena que me esqueci de falar do capitão do exército, que detestava negros e homossexuais, e hoje acabou virando, bem, você sabem.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O consumo de sorvete e os afogamentos

Muito cuidado precisa ser tomado ao se analisar pesquisas e manchetes de jornais que associam alguma coisa a outra. Explico-me: quando lemos na internet que, por exemplo, comer vegetais faz a gente viver mais, é preciso ser crítico ao entender como se chegou no resultado, ou se apenas estão querendo chamar sua atenção com a manchete (como eu tentei fazer, inclusive). Quando estudamos duas variáveis, e percebemos que o movimento de uma acompanha o da outra, diz-se que as variáveis são correlacionadas. Por exemplo, em dias de maior número de afogamentos nas praias os vendedores de picolés também faturam mais. Isso quer dizer que sorvetes podem fazer você se afogar? Ou que as pessoas que estão acompanhando o resgate se entretém tomando um picolé? Para esse exemplo, é fácil perceber que em dias quentes tem mais gente nas praias, que tomam mais sorvete, e que também infelizmente acabam se afogando mais. Mas tomem a notícia abaixo: http://www.minhavida.com.br/bem-estar/ma...

O Girassol e a Lua

Se eu fosse Esopo , escreveria algo mais ou menos assim... Era uma vez uma plantação de girassóis, nos confins da Holanda. Todos os dias, seguiam a mesma rotina, acordavam cedo, com o nascer do Sol, e realizavam todas suas atividades diárias. Tiravam água e nutrientes do solo, faziam sua fotossíntese, e giravam. Sempre lá, apontando para o astro rei, desde o amanhecer até que ele se escondesse.  Todos menos um, que preferia a Lua. Baladeiro, dormia o dia todo, pra ficar acordado de noite, na boemia, seguindo a Lua.  No princípio os amigos girassóis se solidarizavam com o companheiro dorminhoco, achavam que era algum tipo de doença ou distúrbio, e davam uma força girando o festeiro em direção do Sol. Até que um dia umas formigas bem das fofoqueiras começaram a fazer futrica, perguntando porque ajudavam o cara que ficava a madrugada toda bagunçando, tocando sambas do Pixinguinha e não deixando ninguém do formigueiro dormir em paz. Pararam de ajudar, e o girassol da...

Sorria e Acene, ou as Técnicas de negociação que não se aprende na escola

Em um post anterior ( este aqui ), já havia escrito sobre uma importante tática de argumentação, a Defesa Chewbacca, utilizada principalmente em discussões de relações. Mas existe uma outra, de utilização bem mais abrangente, que pode ser aplicada nas mais diversas atividades humanas: a estratégia Sorria e Acene. Basicamente, essa teoria prega a empatia por meio gestuais que demonstrem a concordância com uma pessoa ou grupo social. Mais do que estender-se nas bases científicas da teoria, alguns exemplos de utilização serão muito mais elucidativos: No Mundo Corporativo: Reunião da empresa, apresentando os resultados do quadrimestre, e as perspectivas de crescimento: em caso de resultados positivos, balance a cabeça afirmativamente, com um leve sorriso. Resultados negativos: feição de consternação, e um leve balançar negativo. Use com parcimônia. Chefe pede para entregar seu trabalho antes do que o humanamente possível: sorria e acene que sim. Se vire depois para conse...