Até que tinha se acostumado com o novo itinerário. Não tinha lá muito segredo, era jogar no Waze e ver qual o melhor caminho para o dia. Tinha ganho mais tranquilidade, alguns minutos a mais para aproveitar as 24 horas. Apesar de óbvio, nunca é demais relembrar: o bem mais precioso e escasso é o tempo, e em sua idade, não queria mais ficar desperdiçando em congestionamentos.
Com a previsibilidade veio a sensação de controle. Agora já podia marcar compromissos e fazer planos contando com esse bônus. Um curso talvez, incrementar a carreira. De repente preparar-se para uma renda extra. Ou cuidar mais do corpo, bater uma bola com amigos.
E foi num dia desses, com planos feitos e cronograma sendo seguido à risca, que veio a chuva. Nada demais a princípio. Veio forte, ventania, mas já já passa, pensou. Chuva de verão, bom pra refrescar. O aplicativo de trânsito nem recalculou a rota.
Não passou. Sarjetas viraram rios, carregando consigo todo o tipo de lixo, deixado escondido, e agora entupindo bueiros. Faróis queimaram, cruzamentos fechados por pensamentos contraditórios, cada um querendo ir para uma direção. A bagunça estava feita novamente. Ele, que achou que não passaria mais por isso, viu-se de novo preso entre a fila interminável de carros. Tempo estimado de chegada aumentando, ruas na tela do celular pintadas de vermelho. Planos tendo que ser adiados, ainda bem que existe o Whatsapp.
No rádio, toca uma música que ele nem gostava muito, mas que passou a apreciar dado o contexto. Led Zeppelin. Percebeu que o caos, a água abundante correndo, talvez fosse o que a cidade precisasse mesmo naquela seca que já vinha há nem sei quanto tempo. Queria ele estar do lado de fora do carro, sendo pego de surpresa, correndo da chuva, ou na chuva, sem a menor vontade de não se molhar.
Culpa da prefeitura, diz o locutor quando as primeiras inundações começam. Todos sabem na teoria o que deve ser feito, limpeza urbana, não jogar lixo na rua, obras nos rios e córregos. Tão fácil em teoria, tão difícil em sua execução.
Eventualmente a água vai baixar, e toda a lama vai ter que ser varrida. Talvez fique melhor, algo seja feito. Ou talvez pior. Enquanto isso, ele coloca sua playlist no shuffle, torcendo pros deuses da aleatoriedade sejam bacanas.
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