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Em 1982 larguei tudo e fui pra Sarriá


1982 não foi nada fácil viu ? Os negócios iam de mal a pior, a família já não se dava tão bem depois do último Natal, quando o Tio Augusto bebeu um pouco mais que devia e se declarou pro marido da Tia Luiza, e na televisão o General Figueiredo continuava a aparecer, carrancudo, dizendo que não ia largar o osso. Pelo menos eu ainda tinha uma mulher, maravilhosa, que me amava.
Quer dizer, me amou até lá por meados de maio. Um belo dia tocou o telefone, aquele ainda de disco, e tomei um sonoro pé na bunda. Aquela voz, outrora tão sensual, anunciou em tom solene que eu estava sendo trocado por um belo italiano, Paolo, 1.95 m de puro músculo, inteligente, rico, título de nobreza na Sardenha... pensando bem, até eu me largaria.
Fiquei arrasado, e não tinha nem Netflix para eu passar as madrugadas maratonando séries. Só me restava tomar um Dreher, ou Cynar, afogar as mágoas em bebidas de qualidade duvidosa, entrar na minha Brasilia e sair dirigindo sem rumo por aí. Quer dizer, pelo quarteirão talvez, a crise do petróleo tinha deixado o preço da gasolina impossível.
Mas um dia eu tinha que finalmente sair da lama, e o momento da epifania veio com o Jô Soares, pedindo pro Telê Santana botar ponta na seleção brasileira. A Copa da Espanha ia começar, e era pra lá que eu devia ir. Vendi a Brasilia, o carrinho de cachorro-quente, e comprei uma passagem pra Barcelona. Sem hotel nem nenhum lugar pra ficar, arrumei minha malinha, vesti a camiseta canarinho, e fui ...
Chegando lá, logo no aeroporto fiz amizade com uns brasileiros muito loucos, que me convidaram pra ficar com eles, tinham alugado uma casa maneira em Montjuic, eu poderia dormir por lá, relaxar... Acontece que os brazucas curtiam umas aventuras diferentes, e a hospedagem acabou ficando cara demais, fiz coisas na cama das quais não tenho orgulho nenhum. Quer dizer, talvez um pouco...
Brasilzão fazendo bonito na Copa, e eu nas Ramblas, com minha camiseta número 15 do Falcão. Comi de graça, bebi de graça, fiz embaixadinhas na calçada e consegui uns belos trocados. E foi justamente com esse dinheiro que consegui comprar o ingresso praquilo que seria muito mais que um jogo, seria a redenção do futebol canarinho, e minha vingança contra Paolo: Brasil x Itália no Estádio do Sarriá. A Velha Senhora não perdia por esperar.
No dia da peleja, um mar verde e amarelo pelas avenidas de Barcelona, e eu lá, gritando a plenos pulmões. Seria lindo. Ou não . Tive uma mau pressentimento quando descobri que do lado de fora do estádio não vendiam sanduíche de pernil. Aquilo não podia acabar bem, pensei.

3 x 2 pra Itália, aquela tristeza, fiquei um tempão jogado na arquibancada, chorando copiosamente enrolado em minha bandeira do Brasil e minha camiseta da Democracia Corinthiana. Zico com a camiseta rasgada era zombado pelos jornalistas mafiosos, tive a impressão de ter visto o Serginho Chulapa receber um envelope esquisito de um cidadão que era a cara do Marlon Brando. Posso também jurar que ouvi o Paolo, não o Rossi, mas o namorado novo de minha ex, rindo exageradamente enquanto devorava uma bela garfada de macarronada, ou até minha ex. Quem sabe as duas coisas ao mesmo tempo, mamma mia.

Peguei o primeiro vôo da PanAm e voltei pra casa, sentando ao lado de um alemão bebaço que não parou de repetir que conhecia um esquema pra derrubar o Muro de Berlim, que bastava colocar um careca com uma mancha horrível na cabeça como presidente da URSS. 

Em 1997 derrubaram o estádio do Sarriá, Dei uma festa em casa, um churrasco daqueles. Sentia-me finalmente vingado, estava em ruínas aquele pedaço do Inferno na Terra. Alguém chegou trazendo um pacote de linguiça toscana pra assar, e um CD da Laura Pausini. Apanhou bastante, mas hoje, muitos anos depois, anda quase sem nenhuma sequela, só um leve manquitolar, e um sorriso meio torto assim pro lado.


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