Rocky e Carmen se conheciam desde sempre. Vizinhos de casa, em algum subúrbio típico de alguma cidade americana, ou de qualquer lugar assim do mundo, daqueles onde podiam se ver pelas janelas dos quartos.
Eram melhores amigos, caminhavam juntos pelos trilhos de trem que existiam perto de sua casa, logo atrás das torres de energia, murmurando "Stand by Me" dos Beatles. Invariavelmente voltavam antes de começar a escurecer, com medo de uma turma de meninos que moravam por lá, que se auto intitulavam Os Garotos Perdidos. Dizia a lenda que viravam vampiros assim que o sol se punha.
Rocky curtia tudo que a Carmen fazia. Amava quando ela cantava aquela música, mas ficava com um nó na garganta pois sabia que ela ia se confundir toda com a letra.
Certo dia na escola, protegeu Rocky de uma briga com um valentão recém chegado de outra escola, que o havia ameaçado de pegá-lo lá fora, pontualmente às 15:00h. Agradeceu Carmen com um hamburguer, que ela prometeu pagar de volta na próxima terça-feira.
Cresceram e começaram a se distanciar. Ela queria sair para zoar a casa do Skinner, e ele tinha medo, preferia jogar mais uma rodada e conquistar o mundo com os astecas. Só uma rodada, só mais uma.
A gota d´água foi o dia em que ele, pela janela, viu a Carmen entrando no conversível vermelho do capitão do time de futebol americano da escola. Saíram cantando os pneus, iriam em uma festa qualquer à beira do lago, ou em um mirante isolado onde poderiam namorar e ver a cidade de cima, com as luzes ao fundo. Ou os letreiros de Hollywood.
Rocky dedicou-se aos estudos, interessou-se pela laboratório de Biologia Aplicada, onde foi picado por uma aranha, que não era radioativa e muito menos deu-lhe super poderes. Contentou-se com uma vida acadêmica mediana, invisível, cujo único objetivo era perder a virgindade antes de entrar na faculdade, e não ter a comida derrubada por algum grandão no refeitório.
Carmen se mudou, os pais foram transferidos para outro estado. Rocky chorou quando viu a família toda indo embora, naquela perua verde e marrom, com o adesivo do Wally´s World no pára-choques.
O tempo passou, e Rocky casou-se com uma loira de olhos azuis, ele também era loiro. Teve trigêmeos negros, e apesar dos alertas dos amigos, só caiu mesmo a ficha quando a esposa foi embora com um anão negro, mega inteligente e bem sucedido.
Criou os filhos como se fossem dele, foi o pai e a mãe. Não desistia fácil. afinal, não importa o quanto você bate, e sim o quanto apanha e consegue permanecer de pé.
Anos depois, filhos crescidos, todos na faculdade, viu em um telejornal o âncora Ron Burgundy contar a história de um livro, com budas no título, de uma velha senhora da California contando suas peripécias sexuais. Achou que isso era a cara da velha amiga. Onde no mundo estaria Carmen? San Diego? Talvez, por que não? Resolveu procurá-la.
Correu para o aeroporto, sem malas nem nada, e pediu a primeira passagem disponível. Estava ansioso, pronto pra embarcar. O próximo vôo seria apenas no outro dia, então voltou pra casa fazer uma mala decente, e reservar hotel. Tinha pavor de albergues, achava que coisas estranhas podiam acontecer.
Rocky finalmente embarcou, desceu correndo do avião e já pegou o primeiro táxi disponível, que o levaria ao local da noite de autógrafos do livro. Dopinder, o taxista simpático que o levou, comentou algo sobre o último passageiro, com uma fantasia vermelha e preta, mas Rocky nem prestou muita atenção. Seu Apolo Creed o esperava.
Comprou o livro, ficou na fila. Quando chegou a sua vez, olhou bem nos olhos da escritora, que o reconheceu de imediato. Sim, era ela. Carmen.
Ela sorriu, olhou para ele, cabelos já ficando grisalhos, marcas de expressão no rosto. Autografou bem na página 15, seu número predileto. E na contracapa, deixou uma frase enigmática:
"Temos muito o que conversar, finalmente encontrei o Escaravelho do Diabo. Encontre-me daqui a dois dias em Londres. Galeria Nacional de Arte, segundo piso, sala 43. Essa mensagem se destruirá..."
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