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Pistolas ao Entardecer


Foi montada uma verdadeira operação de guerra. Afinal, havia sido um mês de férias na praia, e nada dele ter conseguido chegar na menina. Quer dizer, tinha dados os primeiros passos, tinha conversado com ela, ouvido seus problemas, todo o blá blá blá sobre o ex-namorado, mas já estava indo perigosamente para a friend zone, onde ele deixa de ser um pretendente e passa a ser um brother... E isso não era nada bom.
Todo o esquema foi armado. Amigos mobilizados, teria que ser naquele fim de semana, ou não rolaria mais, o semestre seria duro, vestibular no fim do ano. Imediatamente lembrou dos filmes de bangue bangue que assistia com o avô, onde tudo se resolvia na base do duelo.
- Escolha suas armas e o horário ! 
- Pistolas ao entardecer!
Ia ser guerra.
Tudo combinado, a turma toda se encontrou no calçadão. Um foi saindo, o outro também, até que ficaram apenas ele e ela. Sugeriu uma caminhada até as pedras, ela aceitou. Horário cuidadosamente escolhido para ocorrer junto com o pôr-do-sol. Sim, ele tinha feito a lição de casa.
Chegaram às pedras, sentaram-se para apreciar o espetáculo da natureza. Ventava, estava ficando frio, Ele de moletom, ela de blusa de alcinhas e shorts. Ofereceu a blusa, ela a princípio não aceitou. Não seria fácil.
Continuaram conversando, e ele pensando como deixar o negócio mais físico. Se encostou nela, ela se afastou. O assunto ia acabando, aquele silêncio desesperador, o bendito sol já começando a se pôr e nada ... A guria começou a ficar com mais frio, ele percebeu e ofereceu novamente a blusa, que agora foi aceita. Ela elogiou o perfume, perguntou qual era e ele, bancando o cool, disse que não sabia o nome. Mal imaginava ela que nem perfume ele usava, o cheiro bom que ela sentiu deve ter sido o amaciante da roupa.
Ele cruzou as pernas, sobre as pernas dela. Ela deixou. Deram as mãos. Segurou as duas mãos dela, não queria mais soltar. Ela colocou as mãos no bolso no moletom, aqueles bolsos tipo canguru que ficam na frente da blusa, sem soltar a mão dele. Tentou beijá-la, ela virou o rosto, sorriu, e comentou como estava bonito o fim de tarde, mas que logo teriam que ir embora porque lá era muito perigoso sem luz. O sol indo embora, a lua já dando as caras, e os borrachudos picando suas pernas. Ele devia ter passado repelente.
Ela se encostou em seu ombro, ele fez um cafuné no cabelo dela, passou os braços por sua cintura tentando abraçá-la. Ela deixou por um tempo, mas logo em seguida se levantou para ir embora. Maldito sol, porque a pressa? Foi tentar beijá-la mais uma vez, desistiu no meio do caminho e deu-lhe um beijo na bochecha. Ficou com raiva depois.
No outro dia não se viram na praia, ele ia embora logo após o almoço, ônibus saindo da rodoviária no meio da tarde. 
Desanimado, entrou no Cometa com assento reclinável, vestiu a blusa por conta do ar condicionado, e se preparou para cochilar. Havia sido baleado, acertado pelo bandido ao pôr do sol, a cidade inteira observando. 
Colocou a mão no bolso e encontrou um bilhete com o telefone dela. "Me liga". Sorriu, imaginou o mocinho matando o bandido mesmo depois de atingido, se tornando o xerife da cidade e ficando com a mocinha. E coçou a perna. Malditos borrachudos!


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