Muitas vezes, pessoas certas se encontram na hora errada.
Desde que se lembrava por gente, João estudou com a Maria. Fizeram pré-escola juntos, eram amigos o tanto quanto um menino e uma menina podem ser nessa idade. Foram ficando mais velhos, ele jogando bola no pátio, batendo bafo, e ela sendo menina... Se afastaram.
Entraram no ensino médio, pré-adolescentes. Caíram na mesma classe, sentaram um na frente do outro. Voltaram a ser mais próximos, no recreio ela conversava com as amigas, olhava pra ele de longe, e todas riam. Ele morria de vergonha, queria saber o que elas falavam. Na Festa Junina da escola, a viu conversando com o garoto novo, que veio transferido de outra cidade, cheio de histórias pra contar. Ficou bravo, ela percebeu e mandou um Correio Elegante pra ele: "De sua amiga que te gosta muito". Como assim amiga???? Será que ela só gostava dele como amigo? Queria ser namorado, sem ainda entender muito bem como era namorar.
Ela passou uma semana falando do garoto novo pra ele. Ela também queria ser a namorada de João, falava pra deixá-lo com ciúmes, pra ver sua reação. Já ele, se entregava, tinha perdido para o forasteiro. De agora em diante, ia se dedicar ao futebol no pátio, seria um craque da bola pra esquecer a primeira desilusão amorosa.
Um belo dia, se encontram na fila do banco, cada uma com sua respectiva mãe, é claro. Ela o viu, saiu da fila, e deu-lhe um beijo no rosto de oi.... Ele enrubesceu na hora. Seu primeiro beijo. Muito mais que o beijo na boca que ganharia anos depois, de alguém que não teve nenhum significado, esse sim tinha sido o primeiro beijo idealizado, inesquecível.
Ela ficou diferente nos dias que se seguiram. Sem ter falado nada antes, um belo dia avisou que estava se mudando, para um bairro distante, outra escola. Se despediram, sem beijo. Antes de sair de vez da vida dele, olhou pra trás e sorriu.
Anos se passaram, João entrou na faculdade. Bom aluno que era, universidade de primeira linha, muitos rostos desconhecidos de outras unidades...
João ainda amava esportes, e numa das idas ao clube da universidade trombou com Maria. Seu coração foi a mil. Ela estava diferente, aquela menina meiga de antes havia se tornado mulher, se engajado em movimentos políticos, tinha feito intercâmbio, mochilão na Europa. E ele, ainda só pensava em jogar bola. E na Maria.
Se abraçaram longamente, passaram a tarde conversando. Ele descobriu que ela estava namorando, com o presidente do Diretório Central dos Estudantes. Ela perguntou se ele tinha alguém, ele contou que estava solteiro. Não contou pra ela que nunca havia namorado.
Encontraram-se de novo algumas outras vezes. Num dia chuvoso, João encontrou Maria toda molhada, chorando. Havia brigado com o tal presidente, que a tratou mal na frente de todos. Quis bater no tal barbudinho, ela não deixou. Ofereceu uma carona. Entraram no carro, João ofereceu uma camiseta seca. Ela se trocou na frente dele. Se beijaram. Se amaram. Foi a primeira vez do João. Maria desceu do carro em sua casa, abriu o portão, olhou pra trás e sorriu.
No dia seguinte, o telefonema de Maria pedindo desculpas, dizendo que não estava bem, que aquilo não era pra ter acontecido, pedindo pra não comentar com ninguém. João ficou arrasado, perdeu o sono, perdeu a fome. Decidiu se dedicar ao esporte universitário pra esquecer. Nunca mais viu Maria no clube.
Muitos anos se passaram, João formou-se, casou-se, teve um casal lindo de filhos. Trabalhava em um escritório de marketing esportivo no grande centro financeiro da cidade. Casa bacana, carro idem, as coisas deram certo pra ele.
Uma tarde qualquer, voltando do almoço, encontra Maria. Ela trabalhava perto, havia se tornado advogada. Não militava mais, achava agora que o capitalismo era o caminho do progresso, e queria mesmo era virar sócia do escritório. Foram tomar um café, quis saber tudo da vida do João. Se era casado, se tinha filhos, se era feliz. Contou que ela mesma havia se casado, mas o cara era um idiota e se separou. Lembrou do caso com o militante do DCE, riu e falou que ela tinha talento pra atrair cafajestes. Pediu a ele desculpas por aquele dia, havia sido uma tonta, indagou-se como seria se eles tivessem ficado juntos.
Na despedida, um abraço apertado, um beijo no rosto. Ah, aquele mesmo beijo no rosto. Trocaram contatos, vamos combinar um almoço. Ela tentou marcar uma vez, ele não podia, já tinha compromisso.
Depois disso, não se falaram mais.... ambos acharam que não era o caso. Outro dia se cruzaram atravessando a rua. Se cumprimentaram brevemente, ambos com pressa. Cada um seguiu seu caminho. Ele tentou resistir, mas não conseguiu e olhou pra trás. E a viu olhando pra trás também, mas desta vez não sorria. Parecia até ter os olhos marejados. Pensou em voltar e falar com ela, mas pensou bem e achou que não era o caso.
Naquela noite, secretamente João pegou aquele caderno do ensino médio onde todos os colegas assinaram, e achou o nome dela, com a dedicatória: "Obrigada por existir", e um desenho de um sorriso. Maria dormiu com a camiseta de João, que ainda guardava depois de todos esses anos.
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