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Efeito borboleta


Num canto de cá desse mundão de Deus, Fernanda queria ampliar o restaurante. Havia aberto há pouco tempo, no centro da cidade, mas sua comidinha caseira caiu tão rápido no gosto do pessoal que as mesas viviam lotadas. Fez um empréstimo bacana no banco, contratou a mão de obra, comprou o material. Queria continuar a atender, mas seu sócio a convenceu a fechar a cozinha por um tempinho, duas ou três semanas no máximo. O movimento que teria depois os fariam recuperar o tempo fácil fácil.
Lá pros lados de lá, Josualdo fazia seu crossfit. Ele adorava crossfit, contava pra todo mundo que fazia crossfit, tinha camisetas de crossfit, fazia postagens de crossfit. Enfim, um crossfiteiro padrão.  Josão, como era conhecido, vinha de família rica, e teve uma ideia genial. Ia começar a comprar equipamentos pra galera (uhu!) fazer seu crossfit dentro de casa, quando não estiverem no box contando push-ups. Papai conhecia um cara que conhecia um cara que podia trazer as coisas por um preço baratinho, equipamentos de qualidade. Não tinha como errar, montou o site na Locaweb, e deve ter feito, sei lá, umas 10 vendas no mês, se tanto. Papai ficou bravo com aquele monte de tranqueiras na garagem, ia acabar riscando o Jaguar.
Lá nos cafundós, o senhorzinho levava o cachorro pra passear no fim da tarde. O parque estava cheio de morcegos, mas ele não tinha medo de nada. "Eu não tenho medo desses bichos, tá ok?", dizia a todos que quisessem escutar. Militar, durão, histórico de atleta. E não é que o morcego, entre uma frutinha e outra, fez suas necessidades no ombro do capitão. "Ratos voadores, vou mandar matar todos, tá ok?" - vociferou. Limpou a sujeira com seu insuperável lenço de pano, o cachorrro também fez das sua lá pra frente, recolheu tudo, muito a contragosto, e seguiu a vida.... "Malditos morcegos!"
Sujou a mão com a sujeira do cachorro, usou o lenço de pano, as sujeiras se misturaram, muito no pano, um pouco nos dedos do capitão.
Naquela maçaroca tinha sei lá, uma centena de tipos de vírus. Um vírus do morcego se encontrou com um vírus do morcego, engataram um conversa. a proteína de um se ligou à membrana de outro, tiveram lindos filhos... um desses filhos foi levado ao nariz do velho senhor, em uma coçada involuntária. E não é que esse novo vírus se deu muito bem com as células das vias aéreas dos humanos?
Chegou em casa, beijou a filha, abraçou os netos... Deu um cheiro no pescoço da patroa. Era muito carinhoso esse senhor.
Os netos foram ainda jogar bola mais tarde com os amiguinhos, a filha foi pra uma festa chique, com um monte de gringos, um evento de despedida ou algo assim,  a esposa à igreja. E ele, que não era de ferro, foi jogar poker e tomar umas com os amigos.
O capitão faleceu uns dias depois... a esposa ainda está muito mal... uns gringos da festa voltaram pra seus países com febre e uma dor de cabeça esquisita.

Um mês depois, Fernanda pensa como vai pagar os funcionários e a p$% da reforma. Não tinha mais ninguem na rua, todo mundo colocado de castigo por alguns meses. Aquele vírus resolveu dar uma volta pelo planeta, como eram receptivas aquelas células humanas !  Reforma parada, dinheiro acabando, o que tinha guardado perdeu tanto valor que se tirasse do banco agora daria pra comprar um picolé de limão, e olhe lá.
Já Josão estava rindo até não poder mais .... seus biceps definidos ganhariam todo o suplemento que quisessem... as vendas dos aparelhos pra crossfitar em casa bombaram. O amigo do amigo do pai teve de pedir pra vir mais, papai ficou orgulhoso de ver o tino para os negócios que o filhão tem. Se bobear ia virar o novo dono da Havan.

A diferença entre Fernanda e Josão? Competência? Estudos? Talento? Não, as fezes de um morcego do outro lado do mundo.

Muito prazer, apresento a vocês a Teoria do Caos. Pensem nisso na próxima vez que te oferecerem um investimento com rendimento garantido de 2% ao mês.

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