Uma garota A qualquer estuda em uma grande universidade pública, tem 21 anos e gosta de ler. Já uma garota B também estuda na mesma universidade, também tem 21 anos, lê livros de filosofia e sociologia, milita no diretório central e estudantes e está em todas as passeatas no vão livre do Masp. Uma das duas vai virar vereadora. Se fosse pra adivinhar, qual das duas seria? Resposta no fim do texto :)
Nós adoramos uma boa estória. Para nós, é importante que os fatos estejam relacionados em uma sequência causal, precisamos que as coisas façam sentido. A culpa é da evolução. Nossos antepassados viviam em grupos, acuados, lutando para conseguir o escasso alimento, fugindo dos pedradores. E naquele contexto, ver a relação entre as coisas foi um dos motivos para que hoje estejamos aqui. Se um indivíduo comesse um fruto, dias depois passasse mal e morresse, para os outros do grupo era uma vantagem adaptativa ver que o cara comeu a fruta e morreu, logo aquela fruta matou o cidadão. Ou se alguém entrasse na floresta sozinho e não voltasse mais, fazia sentido entender que era muito perigoso entrar sozinho naqueles lados, quem entrasse por lá ficaria mesmo....morto provavelmente.
E nossos antepassados aprenderam a contar essas histórias, e aqueles cujo cérebro amarrava uma sequência de fatos numa relação causal sobreviveram porque sabiam que não podiam comer os frutos venenosos, que não podiam ir por dado caminho, e assim por diante.
E assim somos até hoje, com essa necessidade que tudo faça sentido, mesmo que em nossa civilização atual essa necessidade não exista mais, ou melhor, que hoje em dia as questões sejam muito mais complexas. Por isso que histórias com tudo muito bem sincronizado nos chamam a atenção, e nos passam a impressão de veracidade. Por isso também que gostamos de ver causalidade em fatos simplesmente correlacionados.
Saber que funcionamos assim é um grande passo para não sermos levados a conclusões erradas, e principalmente para escutar com ouvidos críticos o que o mundo nos apresenta. Porque políticos, advogados, publicitários já sabem disso. Um advogado que argumenta bem, que cria uma estória com eventos bem explicados, que envolve o júri, provavelmente será um profissional de sucesso, esteja ele dizendo a verdade ou não. O mesmo vale para políticos, principalmente aqueles com o dom da lábia, que são verdadeiros mentirosos e corruptos, mas que se defendem com tanta eloquência, com tanta habilidade, que na próxima eleição lá está ele eleito de novo, deputado federal.
E o que não falar dos pastores de algumas igrejas? Num culto, onde os fiéis já estão por definição bastante propensos a acreditar em tudo que lhes for dito, se o cara fala bem, vai mencionando como uma coisa vai levando à outra, é praticamente uma covardia, qualquer que seja o absurdo que ele diga. Não tem um desses pastores que andou falando de um grupo musical que fazia letras obscenas, que nossas crianças ouviam e gostavam, que iam contra Deus, e por consequência morreram e foram pro Inferno? No final deve ter enchido os bolsos com o dízimo da audiência.
Exemplos estão em todo lugar, basta prestar atenção. Respondendo a brincadeira do primeiro parágrafo, com certeza muita gente responderia que a garota B tinha mais chances de virar vereadora que a garota A, por conta de todo o histórico que foi montado pra ela. Mas, sob a crua luz da estatística, sabemos que existem na tal universidade muito mais moças que têm 21 anos que gostam de ler do que moças de 21 anos, e que gostem de ler apenas sociologia, e que sejam do diretório de estudantes e que participem de passeatas. Logo, é muito mais provável que a garota A seja a futura vereadora.
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